domingo, agosto 07, 2005


Reflexões by José Cuervo

Sempre achei que escrever fosse coisa de quem não tem muito o que fazer.
Ordinários vagabundos e cretinos, por assim dizer, todos somos, em menor ou maior grau, com mais ou menos consciência. Mas os que escrevem - ou acham que o devem -, ainda pecam pela arrogância, pois acham que merecem ter suas idéias e/ou seu cotidiano, quer seja ele real ou fictício, lidos e observados; talvez por acreditarem naquele negócio todo dito na infância de que precisamos aprender a nos expressar, a nos impôr e de que somos especiais e únicos.

Mas quando se tem uma natureza impertinente (ou rabugenta, maçante e malcriada, como define o Houaiss), nada é feito sem desculpa.
Se come porque se tem fome, se bebe porque se tem sede, se trabalha porque as contas têm que ser pagas e se fode porque se tem tesão ou porque fez besteira - e gente besta tem mais é que se foder.

Se você não é um literato, acadêmico ou alguém que sobrevive por escrever qualquer bosta (tipo o Paulo Coelho), porque fazê-lo, então?
Prazer, exercício intelectual e outros motivos do tipo estão descartados, já que se obtém prazer e aperfeiçoamento intelectual de outras atividades, com um coeficiente maior de aproveitamento.

Pensava nisso tudo há algum tempo, quando lembrei de algo que li na Revista Veja (sim, ainda leio essa porcaria de vez em quando... só não levo mais tão a sério depois das reportagens do WTC, Afeganistão e Iraque), na época do lançamento do livro Achei que Meu Pai Fosse Deus, do Paul Auster. Não li o livro, mas conheço quem leu e gostou.

Mas a resenha que saiu na revista a respeito, entre outras coisas, mencionava a necessidade humana de narrar histórias e, em algum canto, trazia o termo atavismo (ou algum derivado a ele), como qualificador dessa necessidade.
A saber, também vindo do Houaiss:

substantivo masculino
1 Rubrica: biologia.
     reaparição em um descendente de caracteres de um ascendente remoto e que permaneceram latentes por várias gerações
2 Derivação: sentido figurado.
     hereditariedade biológica de características psicológicas, intelectuais, comportamentais
Ex.: a arte de cozinhar lhe chegara por atavismo
3 Derivação: sentido figurado.
     retorno a um estilo, uso, ponto de vista, enfoque etc.
Ex.: um atavismo literário



Eu não lembrava de ter lido essa palavra (ou qualquer das derivadas) desde minha infância, passada em boa parte sobre as histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, do Maurício de Sousa. Em uma das histórias do Bidu (aquele cão azul com barba e rabo esquisitos), um cachorro coadjuvante (?!?) explicava ao Bidu o motivo pelo qual os cães rodeavam um local antes de se deitarem nele, e porque urinavam para demarcar território: comportamento atávico, herdado de seus antepassados próximos, os lobos.


Desde então, eis a desculpa que apresento a mim mesmo para continuar escrevendo: atavismo.

E se essa não colar, vou voltar a jogar a culpa nas Vozes.
São elas que me mandam fazer essas coisas, mesmo... e antes isso que sair urinando por aí.


posted by Pinguim




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Plástico bolha é a verdade, a luz e e caminho.