segunda-feira, maio 08, 2006



Sobre a raça dos desenhistas
Da série "textos que pouco gente lerá até o fim"

Eu acompanhava algumas listas de discussão de desenhistas e cartunistas na internet.

Lembro-me que, no princípio, eu achava que estas pessoas deveriam ser ouvidas, admiradas e reconhecidas por terem sobrevivido com este tipo de trabalho em um mercado tão escasso e cruel como é o de desenho. Eu paro e penso hoje em dia o quanto me enganei sobre várias destas figuras.

A primeira coisa que percebi em relação a esta classe: desunião. Eu já esperava isso, logicamente - desenhistas são seres individualistas por natureza, por mais bem intencionados que sejam (não egoístas, mas tendem a fazer seus caminhos sozinhos). Se você aprendeu a desenhar muito jovem é porque foi deslocado o suficiente em relação aos outros seres humanos para preferir a companhia dos lápis, canetas e papéis a companhia deles, bastante natural que este comportamento refletisse na fase adulta também. Achava eu que isso era por terem problemas pessoais em lidar com grupos, mas não: o problema em geral não era o quão deslocado ou locado eles se sentiam (embora vários casos sejam), o grande problema reside no que é na verdade um problema de quase todos os grupos, mas que em artistas e outras pessoas que realmente sentem uma necessidade maior de atenção que outras ataca de forma mais grave. O problema mora no excesso de ego e uma super auto-valorização, acreditar que o mundo depende de nós para algo.

Desenhos não são essenciais em matérias de revistas, por exemplo. Poderíamos ter uma revista inteira branca e preta, sem uma única ilustração do começo ao final que isso não alteraria o teor de seu conteúdo - talvez um ou outro infográfico (aqueles desenhos esquemáticos com bolinhas explicando para que serve o que), e mesmo este ela poderia passar sem. Este é um ponto que poucos aceitam, e choram cada espacinho perdido em algum veículo, achando que isso é uma injustiça, que não reconhecem a importância das ilustrações, que tal editor é um boçal e que está afundando a revista/jornal/etc. Ao invés de tentar criar um espaço para si, eles perdem tempo demais chorando leite derramado, esperando de braços cruzados que alguém abra um lugar para publicarem. Quando este alguém o faz, em pouquíssimo tempo surge uma oposição que critica e tenta atrair partidários contra o novo espaço, crucificando os poucos que tentaram fazer alguma coisa para tirar a "classe desenhante" da inércia. Claro que eu sei que muitos fazem isso para auto-promoção, mas tenho muito mais respeito por estes do que pelos que esperam que alguém os promova e ficam reclamando enquanto isso. Não lembro de um concurso, de uma publicação, de um Salão de Humor que não tenha sido duramente criticado, geralmente pelos mesmos “entendidos de tudo” que não movem uma única palha a menos que em seu próprio favor. Sou completamente favorável a críticas, mas afirmo que grande parte das que são feitas nestes meios são mais fruto de alguma inveja ou rancor do que visando uma melhoria real.

Uma outra coisa que com o tempo me incomodou bastante: muitos desenhistas só sobrevivem porque entram em panelinhas e caem nas graças de algum influente do meio, então é certo que aquele cara terá seu trabalho medíocre sendo divulgado no lugar daquele que se recusou a fazer média com as pessoas certas. Felizmente, há os que fazem o "caminho por fora" e conseguem correr a parte disto tudo, em geral são os caras que realmente fazem esse trabalho porque era isso ou se enfiar numa camisa de força. Estes seres ainda me dão esperança de que este mercado ainda pode produzir coisas muito boas.

Acho que, em parte, estas coisas me desmotivaram de mandar trabalhos para concorrer a algo. De tentar publicar tiras em algum lugar, de me enfiar em todo e qualquer Salão de Humor que aparecesse. Não cheguei a entrar de verdade neste meio, no máximo posso dizer que convivi com ele, mas também não me senti nem um pouco a vontade em tentar entrar, por mais que isso me proporcionasse o prazer de trabalhar somente com ilustrações. Os caminhos que me apareceram e as formas, até agora, foram bastante acima do que minha paciência permita lidar. Não descarto a possibilidade de algum dia tentar, mas no momento prefiro continuar na situação que estou: desenhando de graça num flog ou publicando tiras por aqui, pra gente que eu nem conheço, sem ganhar um único puto por isso.

O mercado é realmente bastante ruim. Mas se ele chegou a este ponto, foi por conta daqueles que já estavam neles e não se adaptaram e dos novos que, ao invés de buscar novos caminhos, tentaram simplesmente seguir os caminhos de uma geração que cavou a própria cova.


posted by D. Vespa




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Plástico bolha é a verdade, a luz e e caminho.